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sábado, 11 de junho de 2011

PESSOAS HUMILDES, EXCÊNTRICAS, DA ITAPIRA ANTIGA


VENDA DO SR JOÃO STEVANATTO



Como já havia escrito anteriormente, me encantei com as crônicas do Sr. João Torrecillas, e hoje vou reler o que ele escreveu sobre pessoas que viveram aqui em anos passados e, que por ele, foram lembradas. Tenho um amigo na prefeitura que está para lançar um livro. Ele também vai fazer menção de gente, como àquela de então. Ele vai escrever uma parte da história mais recente da nossa cidade, de um jeito bastante curioso. Nunca a cidade ficou sem esses personagens diferentes, exóticos. Pessoas excêntricas. O nosso olhar, não pode ser de reprovação ou espanto. São criaturas em que a vida sorriu de forma louca. Respeitar também é a melhor atitude. É isto que espero poder fazer neste relato de hoje. Pois bem, vamos aos personagens:

CHICO MANÉLE
Alto, forte, espadaúdo, vestes sujas, barba crescida, calçados em péssimo estado, e uma carranca ameaçadora. Ah! O mais importante, um porrete de madeira que era inseparável. Era português e que nos últimos dias de sua vida, habitava numa casinha na Rua da Saudade. Aos sábados, mudando um pouco a fisionomia de poucos amigos, ia pelas ruas pedindo dinheiro, fósforos, pedaço de pão e outras coisas. A molecada de então, adorava fustigar o pobre homem. Sabiam que era mexer num vespeiro de violência, brincar com o Chico. Ele não tinha medo de faca, pessoas ou qualquer coisa, exceto o revólver. A meninada quando queria adrenalina, se juntava e indo até a casa do Chico Manéle, jogava pedras por um tempo. Depois, fugiam o mais rápido possível. Enquanto durava o bombardeio, ele, o Chico, xingava tudo o que era palavrão e profetizava ameaças a todos os algozes. Saindo da casa, acompanhado do porrete, não achava ninguém e, tudo terminava aí. Quando essa turma ficou sabendo do medo do Chico, bolaram dar um susto nele. Iriam atirar com uma garrucha no homenzarrão. E, atiraram mesmo, com o Chico caindo no chão para que depois de alguns minutos se levantar e ir para a casa. O ano era 1925 e os traquinas eram Eugenio Lauri, Antonio Lopes e Armando Marconi. Claro que o tiro foi de mentira. Rodeando o português, Eugenio gritou-lhe: - Você vai morrer, vai para o inferno. Não Trema, seja homem! E Pum!!!. O Antonio tinha aceso uma bombinha e o Armando munido de estilingue mandava uma pelotaço no peito do Chico. Que gente malvada não?



ESCOLA TECNICA DO COMERCIO




FROGO-BRALA
Francelino, mogimiriano, sempre bem vestido usando chapéu, terno, bengala e um sorriso maroto. Sempre sem sapatos. Todo bem arrumado, mas sem calçados. Como não revidava a gozação da molecada, quase nunca era importunado. Abusava do “R” em suas conversas, motivo pelo qual muita gente ficava por perto para ouvir: “..- barriga cheia, pré na estrada..” ou “.. – eu vro a pré mermo, tro cum pressa..”. Era um andarilho de marca maior. Corria o ano de 1927. Ao chegar em Itapira, ia na alfaiataria do Tininho e enquanto não almoçasse, não saia. Sempre à pé. Não aceitava carona de veículo nenhum. Não trabalhava e vivia sempre muito alegre e comendo de graça na casa de itapirenses.



ANTIGA CADEIA PUBLICA NA PRAÇA DA MATRIZ


JOÃO TOCO
Esse homem, negro, perambulou pelas ruas itapirenses na década de 20, esmolando coisas de todo o tipo. Tinha esse apelido justamente por andar se apoiando numa espécie de bengala, bem rústica, pois, como tinha problemas nos nervos. Quando pegava uma descida, ia com tudo, não caindo porque logo aparecia uma rampa que detinha sua velocidade. A maldade cria lendas. E sobre ele foi dito que se encontrava assim por ter profanado o túmulo de uma donzela. Ser corcunda, meio cego, meio surdo, sem governo sobre as pernas, era esse seu castigo. Ninguém sabia de onde tinha vindo. Os poucos níqueis que conseguia, eram surrupiados por malandros que habitavam os mesmos locais que ele: Portão Preto, Café da Meia Noite, etc. Ele morreu no dia 28 d outubro de 1929, sendo atendido pelo Dr. Hortêncio e irmãs de caridade, que pouco puderam fazer pelo infeliz.

MARIA COLAQUINHA
Era uma mulher da qual chamá-la de feia, era elogio. Disforme, com seu braço retorcido e só movimentado com o auxilio do outro, perambulava pela cidade a esmolar. Boca suja, não levava desaforo para casa, pois, quando a petizada a irritava, soltava uma infinidade enorme de palavrões. Ela viveu na década de 20, tempo do João Toco e, todos os viam sempre juntos. Não era possível crer no amor entre as duas figuras tão esquecidas pela vida, mas, ela era conhecida como esposa do João. Seu lar eram os mesmos locais do marido que além de pertencer à escória, era habitado por ratos e morcegos. Mas o que chamava a atenção de todos era sua língua. Era comprida. Tinha o hábito de, com o membro, lamber o próprio queixo o que mantinha a pele do local sempre avermelhada. Seu João Torrecillas lembra aqui de uma placa da Barraca da Sogra, da Nhána Brigida e seus filhos, com a figura de uma mulher pra lá de feia, com os cabelos desalinhados e uma enorme língua saindo de sua boa. Conta que a festa era do dia 13 de Maio, que durava 4 dias e, contava com poucas barracas. O jogo corria solto, pois, o delegado fechava os olhos, e ainda com a presença das bandas da cidade e do carrossel. Fazia muito frio e a visão das fogueiras era coisa normal.

MARIA LATÃO
Essa mulher, negra, roupas sujas e rasgadas, sem dente algum, andava muito pela Rua Xv de Novembro e adjacências. Carregava na mão direita uns trapos, parecidos com uma boneca e na outra, pedras de tamanho considerável. E por que? Porque a meninada não dava trégua quando a via. Logo gritavam: -Maria Latão, Maria Latão, Maria Latão. Junto com uma quantidade enorme de palavrões do mais baixo calão, vinham as pedras. Ela conseguia acertar tudo, menos os meninos. Já as janelas e cabeças de pessoas que nada tinham com a gozação.... E, assim seguia sua vida. Nos momentos calmos, as senhoras caridosas davam roupas, comida e até banho. Mas, nos dias seguintes, lá vinha a Maria, maltrapilha novamente. Embalava sua boneca, cantarolando músicas de neném. Terminou seus dias na loucura.

MUDO RANHUDO
Filho do Sr. João alegre, nascera com problemas mentais, e para piorar, surdo-mudo. Tinha porte avantajado e ligeiro quando queria. Era normal vê-lo numa esquina, ora olhando para o chão, ora para o céu, perdido em seus pensamentos. Quando mirava um de seus perseguidores no quarteirão, o algoz estava a fazer mímicas e toques obscenos, que reduziam o infeliz do Mudo Ranhudo a nada. Existiam situações em que ele, partia para cima do provocador, com todos os desejos do inferno, mas não o alcançava porque ninguém que não estivesse preparado para o enfrentamento se arriscaria a mexer com aquele sujeito estranho. Para o apelido era fácil descobrir o motivo: mal balbuciava algumas palavras – mudo; e tinha no nariz filetes pegajosos e repugnantes o tempo todo – ranhudo. Um dos episódios no qual ele fez parte é hilário: Quando Teófilo Bueno ganhou na loteria, tratou de fazer uma festança, com direito a foguetório e tudo. Dois rojões caíram sem estourar perto do mudo. Ele não tendo dúvidas, tratou de guardá-los por dentro da camisa, uma vez que nos bolsos, estavam lotados de porcarias. Quem viu, relatou que o mudo se contorcia todo pelo calor das bombas e, enquanto estava meio curvado e sendo frito por ambas, passou voando por ele Mario Seco, que sapecou, sem parar, um tremendo chute no trazeiro do débil mental. O mudo saiu feito um raio atrás do Mario e vendo que não o alcançaria para matá-lo, atirou as duas bombas que explodiram ao tocar o solo, longe ainda, do Mario. Foi providencial portanto, porque provavelmente estourariam junto ao corpo do Mudo Ranhudo.

PISCA BURRO
Antenor Garbeli, que morava com seus pais, num casebre, no Largo do Riachuelo. Era alcoólatra inveterado. Vivia no bares de Itapira, pedindo um gole da “marvada”, fumo e outras coisas. Se vestia impecavelmente com camisas de casimira, gravata, sapatos, chapéu e, o rosto sempre escanhoado. Isto devido aos aprendizes nas barbearias da cidade que precisavam de um “cristo” para treinar e, era ele mesmo. Era neurastênico, ponto fraco para os moleques que se divertiam em vê-lo encolerizar e gritar muito. Isto acontecia entrementes porque os traquinas insistiam nas mesmas perguntas sempre: Pisca, vai chover? Pisca, será que vai chover mesmo? Me empresta um fósforo, Pisca? Só com a chegada do Sargento Izaac e dois praças, a brincadeira acabava.


TARANTELA
Ninguém soube o porque da alcunha ou de seus familiares. Ele, como os outros dessa narração, perambulava pelas ruas da Penha buscando tostões, comida, roupas e outras facilidades. Era uma pessoa que não fazia mal a uma formiga. Nunca estava triste e nem contente. Sempre falando manso e baixinho. Um dia, conseguiu um emprego no Tiro de Guerra 393, trazido pelo Cel Chico Vieira, que ficava perto do Matadouro Municipal. Sua função era de zelador. O emprego caiu dos céus porque além do rendimento, estava ele, no local de sua paixão: a guerra. Cutucado, ele contava sobre suas lutas heróicas, seja na Italia, Turquia ou Egito. Sozinho, destruía batalhões. Morte e terror eram o ápice de sua vida. Contrastava com sua vida bastante inofensiva. Morreu na Santa Casa, no ano de 1927, olhando para um canto do quarto como que dando ordens a um grupo de soldados.







TIRO DE GUERRA 393



ZANGO
Português, barba e cabelos enormes. Adorador da “branquinha” e do pito, trabalhava todos os dias, passando com seu carrinho de verduras pelas ruas de Itapira. Com o produto da venda, comprava mais aguardente e mais fumo. Quanto aos marmanjos e moleques que o provocavam, não dava a mínima. As outras crianças que se acercavam dele e pediam para se exibir, ele o fazia, cantando e dançando as músicas de sua terra natal e, a criançada gostava e os adultos que o viam, também. Teve morte trágica uma vez que tinha o hábito, movido pelo calor da cidade, de se sentar na muralha do poço da Chácara do Rodolfo Smith e sentir o ar frio vindo de lá do fundo. Era o dia 11 de janeiro de 1908. Zango, desequilibrando, caiu no poço e encontrou a morte, para consternação da população da cidade.


PELUDO
Não se soube o porque do apelido, uma vez que o mulato forte, de estatura baixa, físico avantajado e quase sem pescoço, em nada lembrava algum bicho. A molecada é que o chamava de peludo, sempre ao vê-lo andando pelas ruas ou parado nos bares. Ele não trabalhava, levava a vida sem preocupações, conseguindo de seus amigos a “pinga” que tanto o deixava à vontade para contar papo de seus heroísmos. No auge da degustação da “marvada”, contava de sua coragem em enfrentar o batalhão da guarda da cidade com destemor. Ele bebia, mas não para cair, só para ficar alegre e não titubear sobre seus feitos. Vez em quando, um praça se acercava do papudo e dizia na bucha: - Voce está preso!. Em que ele respondia: - Tô entregue. Era só risada na roda. Só fervia quando os moleques se aproximavam e gritavam “- Peludo, peludo..”. O mulato então ficava uma fera e manda a molecada “ à .....”. Gozado que ele na frente de uma dama procurava respeitar os ouvidos da mesma. Não conseguia. Era só ser chamado de peludo para a frase ser dita “ – peludo é a...”.




BRAZ, APITA MOGIANA

O negro Braz, quando mocinho, empolgava-se com as histórias de bandidos como o Dioguinho e o Gregório Bispo, dupla que agia nas cidades do interior paulista, levando o medo e terror, uma vez que eles não tinham misericórdia da honra ou vida humana. Isso lá em sua juventude, cativara o Braz.
Mas nesses anos 30, ele gostava era beber a “branquinha”, achando que poderia enfrentar o destacamento da cidade e vencê-los. Ficava no pensamento, porque muitas vezes os guardas, temerosos do que ele, Braz, poderia fazer em estado etílico, trancafiavam o pobre na cadeia até passar o porre.
O que o Braz fazia mesmo de bom era imitar a ferrovia. Parava em uma esquina e começava o espetáculo. Era o único ator e ao final era aplaudido, tamanha a fidelidade na imitação. O ranger das rodas nos trilhos, o apito da máquina à vapor, a soltura da água fervendo nas caldeiras, o sino da máquina, o apito do guarda-trem e as manobras do pesado veículo criado na Europa. Quando dava a saída na “máquina”, sumia pelas ruas parando em outras esquinas e repetindo o espetáculo.
Ele, para viver, cavava poços de água e, foi no dia 07 de maio de 1934, às 8:00hs, que ele e seu companheiro, Henrique Francisco de Lima, encontraram a morte, nas bandas da Rua da Penha.





ESTAÇÃO DA MOGIANA EM ITAPIRA, EM MOMENTOS DIFERENTES











Não poderia terminar, sem falar dos autores dos apupos e outras rebeldias, que pisaram o solo itapirense.
OS TRAQUINAS
Surgem os nomes: Jorge Pintadinha, Dito Zoiudo, Joaquim Cabeça de Véia, Rebita Dedão, Mário Seco, Pineli Rovaris, Padeirão, Valentim Della Mura, Antonio Rizola, Esse pessoal foi “do chifre furado”, em matéria de aprontar na cidade. Duas coisas que o Seu João conta que dentre eles, alguns faziam, era: jogar troles e charretes abismo abaixo, estacionados junto à oficina do Sr. Anibal Del Corso e a troca de letras nas placas dos estabelecimentos comerciais, tudo na calada da noite. O pai da criança nunca aparecia. São também eles, alguns dos jovens, que infernizavam a vida das pobres almas citadas neste texto.


Fonte: Jornais da “A Cidade de Itapira”, anos 1967, 1972,1974,1975,1983.




CULTURAL





Em 1932, Menotti Del Picchia fez a letra e Natalino Ytabira fez uma música para a Campanha da Revolução constitucionalista.

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